terça-feira, 7 de agosto de 2012

Nascer é assim?


Arte: Nicoletta Tomas Caravia
"...Agora é de novo madrugada.
Mas ao amanhecer eu penso que nós somos os contemporâneos do dia seguinte.
Que o Deus me ajude: estou perdida.
Preciso terrivelmente de você.
Nós temos que ser dois para que o trigo fique alto.
Estou tão grave que vou parar _
Nasci há alguns instantes e estou ofuscada
Os cristais tilintam e faíscam
O trigo está maduro: o pão é repartido
Mas repartido com doçura? É importante saber
Não penso, assim como o diamante não pensa
Brilho toda límpida
Não tenho fome nem sede: sou
Tenho dois olhos que estão abertos
Para o nada
Para o teto
Vou fazer um adágio
Leia devagar e com paz
É um largo afresco.
Nascer é assim:
Os girassóis lentamente viram suas corolas para o sol
O trigo está maduro
O pão é com doçura que se come
Meu impulso se liga ao das raízes das árvores..."

(Clarice Lispector)

5 comentários:

  1. É sempre bom vir aqui, Elenir. Encontrar Clarice, então... É sempre uma exigência. Volto pra casa com as ideias girando, girando, tentando "ver" raízes e amanheceres.
    Obrigado.
    Gilson.

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  2. Que legal!!!
    Eu vinha lendo e de repente você diz: ". . .Leia devagar e com paz. . ." recomecei e fiz uma nova leitura.
    Foi como sentir sabor.
    Beijos!!!

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  3. Olá Elenir,sempre que leio Clarice penso que vou entender claramente o que ela quer nos passar através de seus poemas,mas ledo engano Clarice sempre muito hermética em sua escrita,porém cativante como sempre.Clarice enigmática e singular em toda a sua caminhada de escritora,continua ainda,atual sempre.Belo poema.Um grande abraço!

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  4. Dizer o quê?

    Que nasci e, às vezes, sou!

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  5. Um belo texto, cheio de alegorias.
    beijo
    Graça

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