sábado, 31 de março de 2012

Das coisas que desejo

Vista de Santorini  - Grécia


Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente
[o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais,
[se puder ser,

Ou até se não puder ser...

Fernando Pessoa

A minha vida é um barco abandonado




A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado ?
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.
Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.
Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 28 de março de 2012

Deslumbramento...


“Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio.

Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser.
Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo”.
Clarice Lispector
em A descoberta do mundo
                   





segunda-feira, 19 de março de 2012

O que tanto buscas

"...E se o que tanto buscas só existe
 em tua límpida loucura
- que importa? -
isso
exatamente isso
é o teu diamante mais puro!"

Mario Quintana.

quarta-feira, 14 de março de 2012

terça-feira, 6 de março de 2012

Ser

Aflição de ser eu e não ser outra
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
Hilda Hilst
Imagem: Vladimir Kush

Poema e imagem selecionados pelo dia 8 de março

sábado, 3 de março de 2012

Que importa...

"Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
— se foi a criança
ou o ladrão
ou filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si ou para os outros.
Que se destrua contra os recifes
eu role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos
que importa?
... se só de atirá-la às ondas vagabundas
libertei meu destino a sua prisão?"
A GARRAFA
Manuel Lopes

quinta-feira, 1 de março de 2012

Não somos apenas o que pensamos ser.
Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos;
Somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos,
os impulsos a que cedemos, "sem querer".
(Freud)

                                                                                             Imagem Salvador Dali