domingo, 15 de abril de 2012

Os mistérios de Clarice

 

Visão de Clarice Lispector
(Carlos Drummond  de Andrade)


Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.

O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.

Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.

O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.

De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.

Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.

Fonte: Memoria Viva



Livro sobre Clarice Lispector só agora chega ao Brasil:

“Clarice Lispector - Figuras da Escrita", que saiu em 2000, com uma tiragem de 500 exemplares, pela editora da Universidade do Minho, em Portugal, tornou-se objeto de culto entre claricianos e só agora chega ao Brasil. (foi lançado no dia 08 de março no Rio).

“Como chegar àquilo a que as palavras mal podem dar expressão?" O enigma que (des)norteia a obra de Clarice Lispector (1920-1977) foi levantado pelo professor e crítico português Carlos Mendes de Sousa ao mergulhar nas profundezas da escritora.


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4 comentários:

  1. Uma linda homenagem em poema, parabéns pela postagem.Beijos

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  2. linda homenagem ' Parabéns ²




    Curto muito aqui .


    Beijos

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  3. Omg' super perfeito esse texto para a nossa querida Clarice Lispector <3

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  4. Clarice Lispector,sempre muito hermética.Quando foi convidada a declamar um poema,enquanto representava o Brasil, em Bogotá,interrogada sobre o significado do que declamara,ela responde-Eu não sei.Entendo hoje, que depois que lemos um escrito de autores,nós é que tomamos posse dele e dando ao mesmo, o nosso significado ou o que ele representa para nós,pois já somos parte desta escritura.Ela afirmava que não estava tentando mudar nada,mas desabrochar sempre.....Adoro Clarice.Sua postagem sobre ela veio enriquecer mais seu blog.Um grande abraço!

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