quarta-feira, 31 de julho de 2013

Fui sabendo de mim



Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia
pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia
fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei
eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto,
em "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

quinta-feira, 25 de julho de 2013

E aqui estou à espera


E aqui estou à espera
- com este destino
de dar sombra aos muros
Mas à espera de quê?
Que o despenhar no abismo
me crie enfim asas?
 José Gomes Ferreira

domingo, 21 de julho de 2013

Como me tornei louco


Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido,
despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas
– as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas –
e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando:
“Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou:
“É um louco!”
Olhei para cima, para vê-lo.
O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua,
e minha alma inflamou-se de amor pelo sol,
e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei:
“Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”
Assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura:
a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido,
pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós. 

Gibran Khalil Gibran


Erguem-se muros


Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.
E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.
E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.
Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.
Konstantinos Kaváfis

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Ponte da vida


 

... “Ninguém pode construir para ti a ponte sobre a qual precisamente tu tens de passar sobre o rio da vida, ninguém além de ti mesmo.
Decerto que há inumeráveis atalhos e pontes e semideuses que te querem carregar através do rio; mas apenas ao preço de ti mesmo; tu te darias em penhor e te perderias.
Há no mundo um único caminho que ninguém pode trilhar além de ti: para onde conduz ele? Não perguntes, prossegue.
Um homem jamais se eleva mais alto do que quando não sabe para onde seu caminho ainda o pode conduzir.
O que, até agora, verdadeiramente amaste, o que atraiu tua alma, o que a dominou e ao mesmo tempo a felicitou?
Coloca diante de ti a série desse venerados objetos, e talvez eles te proporcionem, por sua essência e sucessão, uma lei fundamental própria de ti mesmo.
Compara esses objetos, vê como um complementa, alarga, sobrepuja, transfigura o outro, como eles formam uma escada, sobre a qual tu agora te elevaste para ti mesmo; pois tua verdadeira essência não jaz profundamente oculta em ti, mas imensamente acima de ti…”
 


Friedrich Nietzsche (1844-1900)
em “Schopenhauer como Educador”

domingo, 14 de julho de 2013

Desafio

Imagem: Adolfo Payes
“Nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça. Quero ser diferente. Eu sou. E se não for, me farei.”

Caio Fernando Abreu